A boa e antiga educação diz que é muito feio ler por cima dos ombros de alguém. Mas falaí: existe coisa mais divertida?
Você está sentada num café e a pessoa da mesa ao lado lê um livro que parece muito gostoso. Você tenta, de todas as maneiras discretas, descobrir o título do livro. Impossível. Quando vê, já está bem pertinho da pessoa, com a cabeça abaixada e toda torta tentando ler a capa, e obviamente é percebida por todos no local. A vítima fecha o livro e a cara. Vai embora e ali fica você, desolada, imersa na própria curiosidade.
Ou então está no avião, se concentrando para não passar mal, e seu vizinho de poltrona abre um livro religioso, que nem traz assuntos do seu interesse. O tempo todo a mesma frase repete na sua cabeça: não leia nada, você vai vomitar, mas é inútil, a vontade de dar uma espiada na leitura alheia é mais forte que qualquer coisa.
Os livros embalam os sonhos. As capas já despertam sentimentos diferentes, e elas que tanto encantam e alimentam esse vício em ler o que o outro lê, ver o que ele vê. Sabe por que? É um elo que aproxima desconhecidos. Alguém que lê um livro que você já leu deixa de ser um completo desconhecido, e talvez, mesmo com a imperdoável profanação da intimidade, vocês possam mesmo ter interesses comuns.
E um livro é uma fuga certa: ameniza as horas intermináveis na sala de espera do médico, diminui o tempo das viagens, afasta os conversadores de plantão...
Ler é atividade solitária, mas sempre tem alguém tentando meter o bedelho na leitura alheia, um voyerismo clássico (e até incontrolável, digo eu), um instinto espião que acorda sempre que vê um livro aberto, e que invade a privacidade sem pedir licença.
Hoje eu já nem me sinto tão devassada quando sou a vítima dessa tentativa de fazer parte do mundo do outro, até chego a sentir certa admiração pela determinação com que os voyeurs atacam. E vou além: acho que dali pode até nascer uma amizade. Ou pelo menos uma rica discussão literata.